quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O ALUNO QUA NÃO SABIA O QUE O AUTOR QUERIA DIZER





Não era mau aluno, na maior parte das disciplinas se saia muito bem, acima da média dos colegas. Foi difícil para ele, acostumado que estava a sentir-se envaidecido por suas notas, ver sua prova tingida de rubro, profanada, cheia de riscos do começo ao fim. Olhou em torno de si procurando esconder seu vexame, como delinqüente que se desfaz das provas do crime. Em vão, impossível fora à turma não perceber os garranchos fulgurantes do professor, que devassavam a folha de papel que outrora se caracterizava por sua cândida limpeza.
Pensou tratar-se de um erro. Talvez a prova não fosse a sua. Talvez lera enganado seu nome. Encostou-se à mesa do professor, alçou a cabeça por sobre os ombros dos colegas e confirmou sua sentença: Era mesmo sua prova.
Teve vergonha e envergou um pouco a cabeça desviando-se do olhar severo do professor, já um tanto velho, não obstante de idade não tão avançada, com um austero e volumoso bigode que lhe encobria os lábios. Chamando o aluno, o professor anunciou a plenos pulmões sua nota e lhe aconselhou a intensificar os estudos.

Aos poucos, os olhares curiosos dos outros meninos voltaram-se a ele como a pedir explicação da reprimenda.

Aprumou-se, procurou recuperar a altivez que sempre cultivara. Retomou os sentidos abalados pelos olhares sôfregos e dirigiu-se ao professor. Questionou , argumentou, respeitoso pediu explicações, não se deu por vencido em nenhum instante.

O professor mostrara-se impassível, cheio de si, não se irritava por tão pouco, características das pessoas fleumáticas e parvas. O aluno insistia, pungente, os olhos em brasa tatuados pela incompreensão. Escutava a todo instante :“ mas não foi isto o que quis dizer o autor”, “ mas não foi.....” da boca do professor justificando o veredicto.

Por fim, a lassidão derribou as barreiras que ainda a separavam do aluno. Resignou-se consternado.

Assim ocorreu duas ou mais vezes ainda sem que o aluno conseguisse entender o porquê de seus sucessivos fracassos. “ Mas apenas nesta matéria”, pensava inconformado. Mesmo longe dos livros e do professor carrancudo já escutava a frase, retumbando impiedosa em sua cabeça: “ Mas não foi isso que o autor quis dizer”

Perguntou-se várias e várias vezes como, afinal de contas, poderiam, o professor e sua floresta sobre a boca, saber o que, de fato, o autor quis dizer sobre tais e tais obras.

Pensou que o interessante não era mais saber o que o autor quis ou não quis dizer. Era a arte que sobrepunha o artista como o filho que precisa do pai apenas para lhe dar vida, trazer-lhe ao mundo, emprestar-lhe sua semelhança- cor dos cabelos, olhos, etc...-. Para o aluno, a arte não era propriedade do autor ou do artista, era dele, dos colegas e até do bigode profuso que pretendia conhecer o pensamento de cada autor. A arte para o aluno franzino, apenas se utilizava do artista, seu instrumento. Não entendia esta arte tão austera do velho professor, mais se parecia com a matemática, só que nesta, sempre tirava notas excelentes. Comparava a arte tal qual um objeto visto do interior de um prédio, onde cada morador- dependendo do ângulo, do andar, das sombras- o veria de uma forma diferente, sob aspecto em que o outro morador não poderia ver.

Certo dia, o aluno abatido, estirado sobre a carteira da sala de aula, absorto, viajando pelo seu mundo de cores e sonhos, escutou a voz rouca de contra-baixo, voz de quem há muito não é interrompido em suas aulas. Voz firme e pausada, segura, voraz, devoradora dos questionamentos da classe.
- (...) porque foi assim que Deus o quis.

O aluno, incompreendido, agitou-se, iluminado, translúcido, deixando escapar sua euforia. O mestre, surpreso do estardalhaço do aluno volveu-se com a mesma fleuma de quem despreza a opinião de todos. Mordaz, perguntou:

-o aluno quer fazer alguma consideração ? A classe alvoroçada concentrou os olhares no aluno lívido.

- Na verdade, mestre- falava o aluno com tom de voz até então desconhecido pela classe- me permita dizer, só agora entendi o que o senhor quis dizer com “ não foi isto o que o autor quis dizer”- O zum-zum-zum virulento tomou conta da turma, empestando o ambiente.

O professor, confuso, pois jamais qualquer aluno lhe havia falado daquela forma, aquiesceu com o jogo que o aluno formava para descobrir, de uma vez por todas, como acabaria.

- ah! É verdade, então explique para turma.

O aluno enfiou a mão sobre a bolsa e puxou um volume, era a bíblia que todos os alunos traziam consigo para as aulas de religião. Ergueu o livro à altura da cabeça para que todos vissem e não apenas o professor.

- O senhor já leu este livro, não estou certo ?- o moço-velho aquiesceu apenas arregalando os olhos.- pois então, o senhor conhece e fala com os autores, não é ?- os olhos altaneiros do garoto percorriam as faces empedernidas dos outros alunos, com suas bocas entreabertas, vindo pousar nos olhos de lince e por último no bigode de leão-marinho do professor.

- O senhor fala com Deus não é mesmo? É isto, o senhor fala com Deus.

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Após muitos anos de sua expulsão, o garoto, já homem maduro e respeitável, seguindo sempre o conselho do mestre de intensificar os estudos, tornou-se um escritor renomado. A escola até passou a aconselhar os professores a usarem seus livros, esqueceu que o havia expulsado - não ficaria bem para o nome da escola -. O velho professor, agora velho de fato, ainda fazia parte do quadro de professores da escola, lecionava a mesma matéria- agora com o livro do aluno- e teimava em dizer: “ não foi isto que o autor quis dizer”.



-FIM-

4 comentários:

  1. eu não li o q postaste.. mas eu prometo ler e responder a altura! é q eu to com uma dor de cabeça incalculavél de tanto chorar ááá quando não é a falta do tal sentimento é ele até o talo..
    passei umas boas horas chorando, gritando esperniando, tudo q tava preso ai to assim ferradamente com a cabeça tensa fazendo bum bum bum bum bum na veia q tem aki do lado na fonte.. mas eu vo ler achei o titulo interessante!

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  2. pow me expliquei tanto q não vim fazer o q realmente queria fazer.. olha a musica é absolutamente perfeita pra quela coisa lá q eu escrevi ^^ achei fantastico!
    é fantastico áhs áhs áhs

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  3. Cara... que maravilha! Já fui o aluno tantas vezes... se sempre a gente tivesse a liberdade de "conversar" com o autor, com a propriedade de entender exatamente o que ele quis dizer. Maravilhosa a volta por cima do aluno tbm! Adorei!

    Se cuide!

    Beijos

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